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BIBLIOTECA DA LUSOFONIA: GRACILIANO RAMOS
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Respuesta  Mensaje 1 de 8 en el tema 
De: QUIM TROVADOR  (Mensaje original) Enviado: 30/11/2009 09:26

A última noite de Natal

Graciliano Ramos

 

Os grandes olhos claros e aguados boiavam na sombra nevoenta, cheios de espanto. Esfregou-os, arrastou-se pesado e entanguido, mal seguro à bengala,sentou-se num banco do jardim, fatigado, suspirando, examinou a custo os arredores. Gastou uns minutos passeando as mãos desajeitadas na gola do casaco. 0 exercício penoso enfureceu-o. Resmungou palavras enérgicas e incompreensíveis, esforçou-se por dominar a tremura. Com certeza era por causa do frio que os dedos caprichosos divagavam no pano esgarçado e os queixos banguelos se moviam continuamente. Era por causa do frio, sem dúvida. Se conseguisse abotoar o casaco e levantar a gola, os movimentos incômodos cessariam.

Em que estava pensando ao chegar ali? Ia jurar que pensava em coisas agradáveis. Ou seriam desagradáveis? Pedaços de recordações incoerentes dançavam-lhe no espírito, acendiam-se, apagavam-se, como vaga-lumes, confundiam-se com os letreiros verdes, vermelhos, que se acendiam e apagavam também quase invisíveis na poeira nebulosa. Tentou reunir as letras, fixar a atenção nas mais próximas, brilhantes, enormes.

A igreja toda aberta resplandecia. O incenso formava uma neblina perturbadora. E, através dela, os altares refugiam como sóis, a luz das velas numerosas chispava nas auréolas dos santos.

Que doidice ! Não é que estava imaginando ver ali, nas transitórias claridades, a igreja vista sessenta anos antes? Tresvariava. Sacudiu a cabeça, afastou a lembrança importuna. De que servia desenterrar casos antigos, alegrias e sofrimentos incompletos?

O que devia fazer... Pôs-se a mexer os beiços, procurando nas trevas úmidas e leitosas que o envolviam o resto da frase. O que devia fazer... Repetiu isto muitas vezes, numa cantilena, distraiu-se olhando a chuva amarela, verde, vermelha, dos repuxos. Impossível distinguir as cores. Ultimamente a cidade ia escurecendo. As pessoas que transitavam junto aos canteiros sem flores eram vultos indecisos; .os prédios se diluíam nas ramagens das árvores, manchas negras; os letreiros vacilantes não tinham sentido.

O que devia fazer... De repente a idéia rebelde surgiu. Bem. Devia meter os botões nas casas e agasalhar o pescoço. Depois cruzaria os braços, aqueceria as mãos debaixo dos sovacos, ficaria imóvel e tranqüilo. Mas os dedos finos e engelhados avançavam, recuavam, não havia meio de governá-los. Se pudesse riscar um fósforo, chegá-lo a um cigarro, esqueceria os inconvenientes que o aperreavam: o frio, a dureza das juntas, o tremor, a zoeira constante, sussurro de maribondos assanhados. Dores errantes andavam-lhe no corpo, entravam nos ossos e vinham à pele, arrepiavam os cabelos, fixavam-se nas pernas, esmoreciam.

Agora não estava no banco do jardim, perto das estátuas, das árvores, do coreto, dos esguichos coloridos. Estava longe, a sessenta anos de distncia, ajoelhado na grama, diante da igreja da vila. Os rostos embotados, que se dissociavam, juntaram-se no largo onde um padre velho dizia a missa da meia-noite. Fervilhavam matutos em redor das barracas, num barulho de feira, e uma sineta badalava impondo em vão respeito e silêncio. Os cavalinhos rodavam. Esgueiravam-se casais pelos cantos. O padre velho dirigia olhares fulminantes àquela cambada de hereges. Uma figura pequenina cantava os hinos ingênuos, de versos curtos, fáceis. Tudo parecera de chofre muito sério, eterno. Os hinos capengas elevavam-se, estiravam-se. A mulher tinha um rosto de santa e exigia adoração. Sessenta anos. As fachadas enfeitavam-se com lanternas de papel, janelas escancaradas exibiam presépios, listas de foguetes cortavam o céu negro. A sineta badalava, zangada. E o burburinho da multidão não diminuía.

Sessenta anos. Da cinza que ocultava os olhos frios saltou uma faísca; os alfinetes pregados na carne trêmula embotaram-se; o espinhaço curvo endireitou-se; um débil sorriso franziu os beiços murchos; os braços ergueram-se lentos, buscando a imagem de sonho.

Imagem de sonho, que doidice! Era apenas uma bonita criatura de bom coração. Ligara-se a ela. E dezenas de vezes tinham-se os dois ajoelhado ali na grama, olhando as lanternas, os presépios, os foguetes, o padre que dizia a missa da meia-noite. Algumas esperanças, muitos desgostos. Os meninos cresciam, engordavam. E no jardim da casa miúda um jasmineiro recendia.

Depois tudo fora decaindo, minguando, morrendo. Achara-se novamente só. Os filhos e os netos se haviam espalhado pelo mundo. Agora... Que extensa caminhada, que enormes ladeiras, pai do céu ! Já nem se lembrava dos lugares percorridos.

Conseguiu abotoar o casaco e levantar a gola.

Andar tanto e afinal chegar ali, arriar num banco, não perceber as letras que se acendiam . e apagavam.

Certamente àquela hora, diante duma igreja aberta, outro homem novo admirava outra pessoinha ajoelhada, sentia desejos imensos, formava planos absurdos. Os desejos e os planos iam desfazer-se como a. fumaça luminosa dos repuxos.

(20 de dezembro de 1941).



Texto extraído do livro “Linhas Tortas”, Editora Record – Rio de Janeiro, 1983, pág. 222.



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Respuesta  Mensaje 2 de 8 en el tema 
De: SEARA DA PALAVRA Enviado: 02/12/2009 07:15

O ESTRIBO DE PRATAClick aqui e conhe�Palmeira dos �dios!

Graciliano Ramos

 

 

 

- Este caso se deu, começou Alexandre, um dia em que fui visitar meu sogro, na fazenda dele, léguas distantes da nossa. Já contei aos senhos que os arreios do meu cavalo eram de prata.
- De ouro, gritou Cesária.
- Estou falando nos de prata, Cesária, respondeu Alexandre. Havia os de ouro, é certo, mas estes só serviam nas festas. Ordinariamente eu montava numa sela com embutidos de prata. As esporas, as argolas da cabeçada e as fivelas dos loros eram também de prata. E os estritos, aerados, faiscavam como espelhos. Pois sim senhores, eu tinha ido visitar meu sogro, o que fazia uma ou duas vezes por mês. Almocei com ele e passamos o dia conversando em política e negócios. Foi aí que ficou resolvida a minha primeira viagem ao sul, onde me tornei conhecido e ganhei dinheiro. Acho que me referi a uma delas. Adquiri um papagaio...
- Por quinhentos e tantos mil-réis, disse mestre Gaudêncio. Já sabemos. Um papagaio que morreu de fome.

- Isso mesmo, seu Gaudêncio, prosseguiu o narrador, o senhor tem boa memória. Muito bem. Passei o dia com meu sogro, à tarde montamos a cavalo, percorremos a vazante, as plantações e os currais. Justei e comprei cem bois de era, despedi-me do velho e tomei o caminho de casa. Ia principiando a escurecer, mas não escureceu. Enquanto o sol de punha, a lua cheia aparecia, uma lua enorme e vermelha, de cara ruim, dessas que anunciam infelicidade. Um cachorro na beira do caminho uivou desesperado, o focinho para cima, farejando miséria. – “cala a boca, diabo.” Bati nele com o bico da bota, esporeei o cavalo e tudo ficou em silêncio. Depois de um golpe curto, ouvi de novo os uivos do animal, uns uivos compridos e agoureiros. Não sou homem que trema à toa, mas aquilo me arrepiou e deu-me um babecum forte no coração. Havia no campo uma tristeza de morte. A lua crescia muito limpa, tinha lambido todas as nuvens, estava com intenção de ocupar metade do céu. E cá embaixo era um sossego que a gemedeira do cachorro tornava medonho. Benzi-me e rezei baixinho uma oração de sustncia e disse comigo: - “Está-se preparando uma desgraça neste mundo, minha Nossa Senhora.” Afastei-me dali, os gritos de agouro sumiram-se, avizinhei-me da casa pensando em desastres e olhando aquela claridade que tingia os xiquexiques e os mandacarus. De repente, quando mal me precatava, senti uma pancada no pé direito. Puxei a rédea, parei, ouvi um barulho de guizo, virei-me para saber de que se tratava e avistei uma cascavel assanhada, enorme, com dois metros de comprimento.
- Dois metros, seu Alexandre? Inquiriu o cego preto Firmino. Talvez seja muito.
- Espere, seu Firmino, bradou Alexandre zangado. Quem viu a cobra foi o senhor ou fui eu?
- Foi o senhor, confessou o negro.
- Então escute. O senhor, que não vê, quer enxergar mais que os que têm vista. Assim é difícil a gente se entender, seu Firmino. Ouça calado, pelo amor de Deus. Se achar falha na história, fale depois e me xingue de potoqueiro.
- Perdoe, rosnou o preto. É que eu gosto de saber as coisas por miúdo.
- Saberá, seu Firmino, berrou Alexandre. Quem disse que o senhor não saberá? Saberá. Mas não me interrompa, com os diabos. Ora muito bem. A cascavel mexia-se com raiva chocalhando e preparando-se para armar novo bote. Tinha dado o primeiro, de que falei, uma pancada aqui no pé direito. – “Os dentes não me alcançaram porque estou bem calçado”, foi o que presumi. Saltei no chão e levantei o chicote, pois ali perto não havia pau.


Respuesta  Mensaje 3 de 8 en el tema 
De: SEARA DA PALAVRA Enviado: 02/12/2009 07:16

Graciliano Ramos & São Bernardo

Chico Lopes

  .  

Graciliano RamosHá obras literárias que nos marcam, às vezes, por um pormenor expressivo, significativo e abrangente de tal modo que se torna o eixo das lembranças que a elas se associam. Quando penso em “São Bernardo”, de Graciliano Ramos, o que primeiro me vem à mente é aquele pio de coruja.

É o emblema da narrativa. No começo, quando nos fala da decisão de escrever suas memórias, o personagem-narrador, Paulo Honório, menciona: “Na torre da igreja uma coruja piou. Estremeci, pensei em Madalena.” E escreve mais adiante: “Abandonei a empresa, mas um dia desses ouvi novo pio de coruja e iniciei a composição de repente, valendo-me dos meus próprios recursos, sem indagar se isto me traz qualquer vantagem, direta ou indireta”.

As superstições populares associam a coruja à morte e à desgraça, mas ela também pode ser representada, em vertentes esotéricas e filosóficas, como um símbolo da consciência, já que consegue enxergar à noite e, com aqueles olhos ferozmente atentos, representaria a vigília e a sabedoria que dela pode advir. Em “São Bernardo”, a coruja tanto é Madalena, mulher que legou a Paulo Honório um remorso fecundo, quanto a obrigação de vigiar, de ter consciência, de dar forma racional – a narrativa -  a uma obsessão.

É um imperativo do inconsciente, do atavismo obscuro que o cerca, que ele escreva um livro, e a Natureza lhe envia esse dever de reparação e lucidez através de um símbolo noturno que catalisa insônia, solidão, mistério e sabedoria. A sabedoria não é mesmo funesta e estremunhada certeza noturna, meditação na clave do irremediável, inventário de trevas, ruminação dos erros em busca de uma clareza que pode ser mais desoladora que a escuridão?

Paulo Honório me fascina. Dos personagens de Graciliano Ramos é o que me parece mais trágico, pois seu ideal de imobilismo tem a vontade ferrenha como instrumento. Com um homem assim, pode ocorrer o mais simples e trágico dos argumentos: “Tudo daria certo se os outros não fossem dados a ter desejos e sentimentos diferentes dos meus”. A realidade precisa ser removida. Mas ele ficará perplexo pela resistência do mundo, pela opacidade indevassável de gentes e coisas.

Lê-se na novela, tradicionalmente, a tragédia do patriarca durão típico do capitalismo rural brasileiro, mas a crítica prendeu-se talvez um pouco demais àquela frase – “Fiz coisas boas que me deram prejuízo, fiz coisas ruins que me deram lucro” – que, por sua verdade básica e extremamente rude, simbolizaria Paulo Honório. Como não se desvia um milímetro de sua meta, ele é monolítico, fácil de ser tipificado como um pragmático implacável e vilanizado como um símbolo perfeitamente apropriado para o ódio fácil das esquerdas. Seu niilismo, fundado nessa primária redução ao ruim que dá lucro e ao bom que dá prejuízo, é um traço definido demais para que nos prendamos a ele. Como não conhece nada além dessa dicotomia, nada além de trapaças, ganâncias, astúcias mesquinhas, o que o assombra na mulher que escolheu é o interesse espontâneo e altruísta pelos outros, um ideal verdadeiramente humano.

Leonel MacielMas essa é só a camada primeira de sua personalidade. Na verdade, ele é um trágico. Pode-se evocar “As dores do mundo”, de Schopenhauer, para uma abordagem menos rasa de seu problema: “Tudo o que procuramos colher resiste-nos; tudo tem uma vontade hostil que é preciso vencer.” Por paradoxo irônico, o mais ferrenho inimigo de um homem de vontade forte, sem limites, pode ser uma criatura... passiva.

É onde entra Madalena, personagem que não se esquece, embora se delineie ao fundo da narrativa, e esta, dominada por um homem que aspira a sorver e centralizar tudo, anulando o Mundo, a coloca na condição de sombra. No entanto, não é sombra qualquer – diluída, esmagada em vida, sem força para ir contra a vontade do proprietário da fazenda São Bernardo - o marido egocêntrico e inalterável na linguagem da prepotência - ela terá a força de um fantasma, de uma negação que se afirma quanto mais veemente o desejo de entender (e, portanto, dominar) de seu senhor se desenha.

No entanto, é preciso observar que Madalena é um personagem revelador também por um lado menos tocado por uma crítica obcecada em tipificar Paulo Honório como o “capitalista selvagem” que amamos deplorar. Quem é ela? Tão sensível, aceitou casar-se com um homem obviamente rude sem preliminares de namoro. Não se menciona isso, mas a sensualidade de Paulo Honório deve ter falado alto – ele seria, além de monstro capitalista, um fenômeno de sedução física, o que dá uma ressonância ainda mais profunda à sua odiosidade. Ela, mosquinha frágil e trêmula, gostou da aparência da tarântula.

Graciliano, em Madalena, pode ter desenhado outro tipo de personagem trágico: aquele que, escrupuloso, vê-se aliado a um monstro para dar continuidade à vida. Ingênua, ela acha que a convivência conjugal pode melhorar Honório. E não podemos nos esquecer da tia, a quem deseja dar proteção material.

Há equívocos de parte a parte nesse casal trágico – são, como muitos, impelidos para o casamento por uma série de wishful thougts destinados ao malogro, caem no alçapão de uma instituição infeliz certos de que os desejos individuais podem se sobrepor ao poder de uma forja arquetípica de ruínas.

Ele não pode abrir mão da insensibilidade, não pode ser “sentimental”, não pode deixar que ela faça filantropia na fazenda e se rebele contra seu despotismo, não pode permitir que fraquezas desse gênero ponham a perder tudo que ergueu na base da força e da desconsideração. Tem claro na cabeça que os homens se dividem entre cretinos que podem ser explorados e inteligentes que é preciso submeter, nuances de comportamento lhe escapam. A brutalidade é o único meio com que se pode proteger de sua própria vertiginosa atração pela fraqueza.Lemos que não pensou em amor ao procurar Madalena, mas sonhou com um útero onde engendraria o seu duplo, o seu herdeiro.

Leonel MacielEm Madalena, há outra espécie de ilusão, também perniciosa: a vontade de dobrar o Mal pelo coração. Se Honório é mostrado como símbolo de uma direita rígida, astuciosa e cruel, ela, por sua vez, acaba por parecer o símbolo da inépcia da bondade no fechado mundo capitalista. Sua reação à estupidez e à dureza do marido é a de auto-sacrifício, não lhe ocorre fugir da fazenda ou impor-se como mulher fora dos limites de um casamento fracassado já no nascedouro. Ela é um pouco a tragédia de uma esquerda sentimental que quer fazer justiça a partir dos quartos de empregada, tentando realizar uma impossível conciliação entre exploração e solidariedade num esquema em que a bondade é conduzida irresistivelmente ao servilismo.

Nesse ponto, pode-se até aventar que Honório seria até mais honesto e heróico, pois tem a convicção desesperada do inútil de sua maldade e não mascara a sua prepotência.

Madalena, como uma burguesinha, caminha na corda bamba da pieguice, com uma vontade de justiça que não encontra correspondência na ação, e por isso se imola; ela aceita a sua autodestruição, ela compõe bem a imagem conservadora que Graciliano devia ter das mulheres – admiráveis em sentimento, tolas na vida prática e na inteligência.

Mas seu suicídio, dentro da lógica tortuosa dessas memórias do fazendeiro, acaba por ser o seu grande ato de demonstração de força – pois não é a partir dele, geralmente tido como medida de fuga e fraqueza, que o germe da dúvida, da decadência, da consciência, se instalará no marido? Eis que o vencido desnorteia um vencedor porque foi capaz de levar sua debilidade a um extremo que o poderoso não pôde compreender. Há uma vida misteriosa nos objetos submetidos: eles são nossos, e, no entanto, nos escapam.

O aterrador do Mal é que ele não oferece saída para quem, incauto, dele se aproxime; as boas intenções viram caricaturas e a resistência humana se anula, sob sua influência. Duas opções se oferecem: o contágio e o suicídio. Contagiado, Honório permanece vivo. A solidão terminal embalada a pio de coruja é seu prêmio.

Em contos de fadas, fábulas e parábolas, é comum que uma ave apareça como guia de importância vital para um dado personagem. Materialista rígido, Graciliano, escritor, enveredou pela poesia e o misticismo, com sua coruja.

Leonel MacielProust, citando o Chateaubriand de Memórias do além-túmulo em O tempo redescoberto, fala da importância de um pássaro para o narrador: “Ontem à noite passeava eu solitário...tirou-me de minhas reflexões o trinado de um tordo pousado no galho mais alto de uma bétula. Instantaneamente, esse som mágico trouxe-me aos olhos o domínio paterno; esqueci as catástrofes que acabava de testemunhar, e, transportado de súbito para o passado, revi o campo onde tantas vezes ouvira cantar o tordo”.

Pássaros e aves aparecem assim, áugures repentinos, como símbolos da ligação de um homem a seu lugar de origem, à sua pátria de eleição, mesmo que, momentaneamente, ele esteja em regiões que lhe sejam hostis. São laços entre uma alma peculiar e a geografia exterior que conheceu e sob cuja influência cresceu.  No caso de Paulo Honório, a coruja vem acentuar ainda mais o seu temperamento solitário, oferecendo, no hieróglifo musical de seu pio, uma tradução da aridez e da desolação da fazenda que o cerca.

As raízes telúricas, vitais, podem ser odiosas como um cativeiro. Quantas pessoas não assim, filhas infelizes de um lugar, escravas de uma paisagem estrita que lhes dá a cor peculiar de sua individualidade, mas também lhes rouba qualquer possibilidade de variação, de fuga! Honório tem a vontade triste, obstinada, cega e áspera de sua terra. Ele não pode fugir ao que é, sua obra – São Bernardo – ganhou a autonomia do feitiço oposto ao feiticeiro, e é o que acontece com os que persistem numa única meta egoísta, excludente. Nossa persistência num único objeto é punida com a limitação escravizadora que este mesmo objeto, aparentemente conquistado, nos impõe.

Ei-lo, o homem forte, onipotente, precisando de um tremor suscitado por uma nota musical noturna, distante, para começar a escrever. Lúgubre é seu apego ao lugar. Lúgubre, o que ele fez de sua vida. Lúgubre, a sua perda irremediável da única mulher que tentou amá-lo. Tudo que lhe resta é um pio. De alerta e de elegia.

Chico Lopes (Francisco Carlos Lopes) (Brasil, 1952). Jornalista, narrador e tradutor. Autor de Nó de sombras (2000), Dobras da noite (2004), e da tradução de A volta do parafuso, de Henry James. É programador e apresentador do cinevideoclube do Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Contato: carlopes@rantac.com.br. Página ilustrada com obras de Leonel Maciel (México).


Respuesta  Mensaje 4 de 8 en el tema 
De: SEARA DA PALAVRA Enviado: 02/12/2009 07:17

PEQUENO PEDINTE
(Um Conto)


English Version. Click in the map above.



Tinha oito anos!
A pobrezinha da criança sem pai nem mãe, que vagava
pelas ruas da cidade pedindo esmola aos transeuntes caridosos,
tinha oito anos.
Oh! Não ter um seio de mãe para afogar o pranto que
existe no seu coração!
Pobre pequeno mendigo!
Quantas noites não passara dormindo pelas calçadas
exposto ao frio e à chuva, sem o abrigo do teto!
Quantas vergonhas não passara quando, ao estender a
pequenina mão, só recebia a indiferença e o motejo!
Oh! Encontram-se muitos corações brutos e insensíveis!
É domingo.
O pequeno está à porta da igreja, pedindo, com o coração
amarguarado, que lhe dêem uma esmola pelo amor de Deus.
Diversos indivíduos demoram-se para depositar uma pe-
quena moeda na mão que se lhes está estendida.
Terminada a missa, volta quase alegre, porque sabe que
naquele dia não passará fome.
Depois vêem os dias, os meses, os anos, cresce e passa
a vida, enfim, sem tragar outro pão a não ser o negro pão amassado
com o fel da caridade fingida.



GRACILIANO RAMOS


Respuesta  Mensaje 5 de 8 en el tema 
De: SEARA DA PALAVRA Enviado: 02/12/2009 07:17

A SAFRA DE TATUS
Graciliano Ramos

 

 

- Como foi aquele negócio dos tatus que a senhora principiou a semana passada, minha madrinha? Perguntou Das Dores.
O rumor dos bilros esmoreceu e Cesária levantou os óculos para a afilhada:
- Tatus? Que invenção é essa, menina? Quem falou em tatu?
- A senhora, minha madrinha, respondeu a benzedeira de quebranto. Uns tatus que apareceram lá na fazenda no tempo da riqueza, da lordeza. Como foi?
Cesária encostou a almofada de renda à parede, guardou os óculos no caritó, acendeu o cachimbo de barro ao candeeiro, chupou o canudo  de taquari:
- Ah! Os tatus. Nem me lembrava. Conte a história dos tatus, Alexandre.
- Eu? Exclamou o dono da casa, surpreendido, erguendo-se da rede. Quem deu seu nó que o desate. Você tem cada uma!
Dirigiu-se ao copiar e ficou algum tempo olhando a lua.
- Se os senhores pedirem, ele conta, murmurou Cesária aos visitantes. Aperte com ele, seu Libório.
Ao cabo de cinco minutos Alexandre voltou desanuviado, pediu o cachimbo a mulher, regalou-se com duas tragadas:
- Ora muito bem.
Restituiu o cachimbo a Cesária e foi sentar-se na rede. Mestre Gaudêncio curandeiro, seu Libório cantador, o cego preto Firmino e Das Dores exigiram a história dos tatus, que saiu deste modo.
- Saberão vossemecês que este caso estava completamente esquecido. Cesária tem o mau costume de sapecar umas perguntas em cima da gente, de supetão. às vezes não sei onde ela quer chegar. Os senhores compreendem. Um sujeito como eu, passado pelos corrimboques do diabo, deve ter muitas coisas no quengo. Mas essas coisas atrapalham-se: não há memória que segure tudo quanto uma pessoa vê e ouve na vida. Estou errado?
- Está certo, respondeu mestre Gaudêncio. Seu Alexandre fala direitinho um missionário.
- Muito agradecido, prosseguiu o narrador. Isso é bondade. Pois a história de Cesária puxou tinha-se esvaído sem deixar mossa no meu juízo. Só depois de tomar um deforete pude recordar-me dela. Vou dizer o que se deu. Faz vinte e cinco anos. Hem, Cesária? Quase vinte e cinco anos. Como o tempo caminha depressa! Parece que foi ontem. Eu ainda não tinha entrado forte na criação de  boi, que me rendeu uma fortuna, já sabem. Ganhava bastante e vivia sem cuidado, na graça de Deus, mas as minhas transações voavam baixo, as arcas não estavam cheias de patacões de ouro e rolos de notas. Comparado ao que fiz depois, aquilo era pinto. Um dia Cesária me perguntou: - Xandu, porque é que você não aproveita a vazante do açude com uma plantação de mandioca?” – “Han? Disse eu distraído, sem notar o propósito da mulher. Que plantação?” E ela, interesseira e sabia, a criatura mais arranjada que Nosso Senhor Jesus Cristo botou no mundo: - “Farinha está pela hora da morte, Xandu. Viaja cinqüenta léguas para chegar aqui, a cuia por cinco mil-réis. Se você fizesse uma plantação de mandioca na vazante do açude, tínhamos farinha de graça.” – “É exato, gritei. Parece que é bom. Vou pensar nisso.” E pensei. Ou antes, não pensei. O conselho era tão razoável que, por mais que eu saltasse para um lado e para outro, acabava sempre naquilo: não havia nada melhor que uma plantação de mandioca, porque estávamos em tempo de seca braba, a comida vinha de longe e custava os olhos da cara. Íamos ter farinha a dar com o pau. Sem dúvida. E plantei mandioca. Endireitei as cercas, enchi a vazante de mandioca. Cinco mil pés, não, catorze mil pés ou mais. No fim havia trinta mil pés. Nem um canto desocupado. Todos os pedaços de maniva que peguei foram metidos debaixo do chão. – “Estamos ricos, imaginei. Quantas cuias de farinha darão trinta mil pés de mandioca? Era uma conta que eu não sabia fazer, e acho que ninguém sabe, porque a terra é vária, às vezes rende muito, outras vezes rende pouco, e se o verão apertar, não rende nada. Esses trinta mil pés não renderam, isto é, não renderam mandioca. Renderam coisa diferente, uma esquisitice, pois, se plantamos maniva, não podemos esperar de modo nenhum apanhar cabaças ou abóboras, não é verdade? Só podemos esperar mandioca, que isto é a lei de Deus. A gata dá gato, a vaca dá bezerro e a maniva dá mandioca, sempre foi assim. Mas este  mundo, meus amigos, está cheio de trapalhadas e complicações. Atiramos num bicho, matamos outro. E sina Terta, que mora aqui perto, na ribanceira, escura e casada com homem escuro, teve esta semana um filhinho de cabelo cor de fogo e olho azul. Há quem diga que sinha Terta não seja séria? Não há. Sinha Terta é um espelho. E por estas redondezas não existe vivente de olho azul e cabelo vermelho. Boto a mão no fogo por sinha Terta e sou capaz de jurar que o menino é do marido dela. Vossemecês estão-se rindo? Não se riam não, meus amigos. Na vida há muito surpresa, e Deus Nosso Senhor tem esses caprichos. Sinha Terta é mulher direita. E as manivas que plantei não deram mandioca. Seu Firmino esta aí fala não fala, com a pergunta na boca, não é seu Firmino? Tenha paciência  e escute o resto. Ninguém ignora que plantação em vazante não precisa de inverno. Vieram umas chuvinhas e a roça ficou uma beleza, não havia coisa parecida por aquelas beiradas. – “Valha-me Deus, Cesária, desabafei. Onde vamos guardar tanta farinha?” mas estava escrito que não íamos arrumar nem uma prensa. Quando foi chegando o tempo da arranca, as plantas começaram a murchar. Supus que a lagarta estivesse dando nelas. Engano. Procurei, procurei, e não descobri lagarta. – “Santa Maria! cismei. A terra é boa, aparece chuva, a lavoura vai para diante e depois desanda. Não entendo. Aqui há feitiço.” Passei uns dias acuado, remexendo os miolos e não achei explicação. Tomei aquilo como castigo de Deus, para desconto dos meus pecados. O que é certo, é que a praga continuou: no fim de S. João todas as folhas tinham caído, só restava uma garrancheira preta. – “Caiporismo, disse comigo. Estamos sem sorte. Vamos ver se conseguimos levar ao fogo uma fornada.” Encangalhei um animal, pendurei os caçuás nos cabeçotes, marchei para a vazante. Arranquei um pau de mandioca, e o meu espanto não foi deste mundo. Esperava tamboeira choca, mas, acreditem vossemecês, encontrei uma raiz enorme, pesada, que se pôs a bulir. A bulir, sim senhor. Meti-lhe o facão. Estava oca, só tinha casca. E, por baixo da casca, um tatu-bola enrolado. Arranquei outra vara seca: peguei o segundo tatu. Para encurtar razões, digo aos amigos que passei quinze dias desenterrando tatus. Os caçuás enchiam-se, o cavalo emagreceu de tanto caminhar e Cesária chamou as vizinhas para salgar aquela carne toda. Apanhei uns quarenta milheiros de tatus, porque nos pés de mandioca fornidos moravam às vezes casais, e nos que tinham muitas raízes acomodavam-se famílias inteiras. Bem. O preço do charque na cidade baixou, mas ainda assim apurei alguns contos de réis, muito mais que se tivesse vendido farinha. A princípio não atinei  com a causa daquele despotismo e pensei num milagre. É o que sempre faço: quando ignoro a razão das coisas, fecho os olhos e aceito a vontade de Nosso Senhor, especialmente se há vantagem. Mas a curiosidade nunca desaparece do espírito da gente. Passado um mês, comecei a matutar, a falar sozinho, e perdi o sono. Afinal agarrei um cavador, desci a vazante, esburaquei  tudo aquilo. Achei a terra favada, como um formigueiro. E adivinhei por que motivo a bicharia tinha entupido a minha roça. Fora dali o chão era pedra, cascalho duro que só dava coroa-de-frade, quipá e mandacaru. Comida nenhuma. Certamente um tatu daquelas bandas cavou passagem para a beira do açude, topou uma raiz de mandioca e resolveu estabelecer-se nela. Explorou os arredores, viu outras raízes, voltou, avisou os amigos e parentes, que se mudaram. Julgo que não ficou um tatu na caatinga. Com a chegada deles as folhas da plantação murcharam, empreteceram e caíram. Estarei errado, seu Firmino? Pode ser que esteja, mas parece que foi o que se deu.


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De: SEARA DA PALAVRA Enviado: 02/12/2009 07:18

Um amigo em talas

Graciliano Ramos

 

O meu antigo companheiro de pensão Amadeu Amaral Júnior, um homem louro e fornido, tinha costumes singulares que espantavam os outros hóspedes.

Para falar com propriedade, aquilo não era exatamente pensão, mas isto não tem importncia: com um pouco de esforço podíamos admitir que estávamos numa pensão de gente bem comportada. Bocejávamos em demasia, contávamos as pessoas que subiam ou desciam um morro próximo, dormíamos cedo e recebíamos com regularidade a visita do gerente do estabelecimento, o major Nunes, ótima criatura que deixou o cargo por lhe faltar o espírito do negócio.

Amadeu Amaral Júnior vestia-se com sobriedade: usava uma cueca preta e calçava medonhos tamancos barulhentos. Fora isso, o que tinha em cima do corpo era a barba, economicamente desenvolvida, uma barba enorme. Parecia um troglodita. Alimentava-se mal, espichava-se na cama, roncava o dia inteiro e passava as noites acordado, passeando, agitando o soalho, o que provocava a indignação dos outros pensionistas. Quando se cansava, sentava-se a uma grande mesa ao fundo da sala e escrevia o resto da noite. Leu um tratado de psicologia e trocou-o em miúdo, isto é, reduziu-o a artigos, uns quarenta ou cinqüenta, que projetou meter nas revistas e nos jornais e com o produto vestir-se, habitar uma casa diferente daquela e pagar ao barbeiro.

Mudamo-nos, separamo-nos, perdemo-nos de vista. Creio que os artigos de psicologia não foram publicados, pois há tempo li este anúncio num semanário: "Intelectual desempregado. Amadeu Amaral Júnior, em estado de desemprego, aceita esmolas, donativos, roupa velha, pão dormido. Também aceita trabalho”.

O anúncio não produziu nenhum efeito, é o que meses depois, nos declara Amadeu Amaral Júnior: "Minha situação continua preta. Reitero o apelo às almas bem formadas: dêem de comer a quem tem fome, uma fome atávica, milenária. Dêem-me trabalho." E, catalogando as suas habilidades: "Escrevo poesias, crônicas, contos (policiais, psicológicos, de aventura, de terror, de mistério), novelas, discursos, conferências. Sei inglês, francês, italiano, espanhol e um bocado de alemão. Dêem-me trabalho pelo amor de Deus ou do diabo."

De literato brasileiro não conheço página mais sincera e razoável que essa. Ao ler o pedido de roupa velha e pão duro, fiquei meio escandalizado, mas refletindo, confessei publicamente que o meu velho companheiro procedia com acerto. E agora, completamente solidário com ele, admiro a exposição que nos faz das suas aptidões e lamento que não as utilizem.

É evidente que Amadeu Amaral Júnior conhece bem o nosso mercado literário e apregoa as mercadorias mais próprias para o consumo: discursos, contos policiais, de aventura, de terror e de mistério. Julgo que vive sem ocupação por não haver falado antes nisso.

O meio cento de artigos redigidos naquelas noites de insônia encalhou certamente na redação, preterido pelas novelas de arrepiar cabelos. Indignado, Amadeu Amaral Júnior oferece de novo os seus préstimos ao editor, afirmando que também sabe compor histórias policiais, de aventura, de terror e de mistério, que arrancam lágrimas e se vendem regularmente.

A maneira como pede trabalho, pelo amor de Deus ou do diabo, revela que o escritor está impaciente e talvez não escrupulize em pôr a sua pena a serviço de qualquer dessas duas entidades, o que não admira, pois Amadeu é jornalista.

Muita gente se espanta com o procedimento desse amigo. Não sei por quê. Os fabricantes anunciam os seus produtos e os sujeitos desempregados costumam, desde que há jornais, dizer neles para que servem. Por que apenas o articulista, precisamente o indivíduo capaz de arrumar umas linhas com decência, deve calar-se e roer chifres?

Eu por mim acho que Amadeu Amaral Júnior andou muito bem. Todos os jornalistas necessitados deviam seguir o exemplo dele. O anúncio, pois não. E, em duros casos, a propaganda oral, numa esquina, aos gritos. Exatamente como quem vende pomada para calos.


Com este texto, extraído do livro "Linhas tortas", Editora Record - Rio de Janeiro, 1983, pág. 125, homenageamos o autor na passagem dos 50 anos de seu falecimento.


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De: SEARA DA PALAVRA Enviado: 02/12/2009 07:19

Graciliano Ramos

   Nasceu em Quebrngulo, nas Alagoas, em fins de outubro de 1892. Lá, passou sua infncia e parte da adolescência, repartindo-se, com a família, entre as cidades de Buíque, Viçosa e Palmeira dos Índios. Primeiro dos quinze filhos, Graciliano foi sempre visto pela família como um sujeito difícil, taciturno e introspectivo. Fez os estudos secundários em Maceió, sem, no entanto, cursar nenhuma faculdade. O pai vivia do comércio e o filho mais velho foi aventurar-se: esteve, por breve período, no Rio de Janeiro, onde por , volta de 1914, trabalhou como revisor e redator nos jornais Correio da Manhã e A Tarde. Mas , ao saber que três de seus irmãos tinham morrido de febre bubônica, torna ao Nordeste e passa a ser jornalista, fazendo política também.

   Foi prefeito de Palmeira dos Índios entre os anos de 1928 e 30. É dessa época o seu primeiro romance (Caetés, 1933); De 1930 a 1936 vive em Maceió, dirigindo a Imprensa e a Instrução do Estado de Alagoas. E é de março de 36 a janeiro de 1937 que vive os mais difíceis dias de sua vida. Acusado de subversivo e comunista, passa dez meses em uma prisão, sem saber do que o acusam, sem sequer ser ouvido em depoimento ou processado. Desse tempo terrível, nascerá mais tarde Memórias do Cárcere, um relato que soma a angústia de existir, o medo e a inquietação. Muda-se para o Rio de Janeiro.

    Seus romances, histórias para crianças e artigos passam a ser reconhecidos como o maior legado literário desde Machado de Assis. Em 1945, filia-se ao Partido Comunista Brasileiro e, em 1952, viajou para a Rússia e países comunistas; o que presenciou nessa peregrinação está contido num outro livro: "Viagem" (1954). Em 1953, morre no Rio, vítima de cncer. Suas obras já foram traduzidas para o russo, francês, inglês, alemão. E, em 1964, o romance "Vidas Secas" ganhou a versão cinematográfica pelas mãos de Nélson Pereira dos Santos.


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De: SEARA DA PALAVRA Enviado: 02/12/2009 07:19

VIDAS SECAS

Graciliano Ramos

 

 · CONTEXTUALIZAçãO HISTÓRICA

   Os abalos sofridos pelo povo brasileiro em torno dos acontecimentos de 1930, a crise econômica provocada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, a crise cafeeira, a Revolução de 1930, o acelerado declínio do nordeste condicionaram um novo estilo ficcional, notadamente mais adulto, mais amadurecido, mais moderno que se marcaria pela rudeza, por uma linguagem mais brasileira, por um enfoque direto dos fatos, por uma retomada do naturalismo, principalmente no plano da narrativa documental, temos também o romance nordestino, liberdade temática e rigor estilístico. Os romancistas de 30 caracterizavam-se por adotarem visão crítica das relações sociais, regionalismo ressaltando o homem hostilizado pelo ambiente, pela terra, cidade, o homem devorado pelos problemas que o meio lhe impõe. Graciliano Ramos (1892-1953) nasceu em Quebrngulo, Alagoas. Estudou em Maceió, mas não cursou nenhuma faculdade. Após breve estada no Rio de Janeiro como revisor dos jornais "Correio da Manhã e A Tarde", passou a fazer jornalismo e política elegendo-se prefeito em 1927. Foi preso em 1936 sob acusação de comunista e nesta fase escreveu "Memórias do Cárcere", um sério depoimento sobre a realidade brasileira. Depois do cárcere morou no Rio de Janeiro. Em 1945, integrou-se no Partido Comunista Brasileiro. Graciliano estreou em 1933 com "Caetés", mas é São Bernardo, verdadeira obra prima da literatura brasileira. Depois vieram "Angustia" (1936) e Vidas Secas (1938) inspirando-se em Machado de Assis. Podemos justificar isto com passagens do texto: "Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos." "A caatinga estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas" "Resolvera de supetão aproveitá-lo (papagaio) como alimento..." "Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores".

 

· ESTUDO DOS PERSONAGENS

Baleia - cadela da família, tratado como gente, muito querido pelas crianças. Sinhá Vitória - mulher de Fabiano, sofrida, mãe de 2 filhos, lutadora e inconformada com a miséria em que vivem, trabalha muito na vida. Fabiano - nordestino pobre, ignorante que desesperadamente procura trabalho, bebe muito e perde dinheiro no jogo. Filhos - crianças pobres sofridas e que não tem noção da própria miséria que vivem. Patrão - contratou Fabiano para trabalhar em sua fazenda, era desonesto e explorava os empregados. Outros personagens: o soldado, seu Inácio (dono do bar).

 

· ESTUDO DA LINGUAGEM

Tipo de discurso: indireto livre Foco narrativo: terceira pessoa - Adjetivos, figuras de linguagem: Metáfora: " - você é um bicho, Fabiano". Prosopopéia: compara Baleia como gente

 

· ANÁLISE DAS IDÉIAS

Comentário Crítico: Esse livro retrata fielmente a realidade brasileira não só da época em que o livro foi escrito, mas como nos dias de hoje tais como injustiça social, miséria, fome, desigualdade, seca, o que nos remete a idéia de que o homem se animalizou sob condições sub-humanas de sobrevivência.

 

· RESUMO DA OBRA

A história inicia-se em 1940 com uma família pobre do sertão nordestino em busca de um lugar para sobreviver. Exaustos, o chefe da família Fabiano, sua mulher Vitória, seus 2 filhos e o cachorro Baleia encontram uma casa e passam a noite, já que ela estava aparentemente abandonada. De repente chega o dono da fazenda e ameaça expulsar a família da fazenda. Fabiano implora trabalho e acaba ficando na fazenda. Um ano depois, Fabiano, já era empregado da fazenda e cuidava dos animais como vaqueiro, porém não recebia o salário suficiente por todo trabalho árduo que realizava. Indo a cidade, Fabiano e a família vão à uma festa regional e Fabiano ao convite de um soldado vai jogar baralho com uns apostadores, apostando todo o seu salário e no momento que percebeu que estava perdendo no jogo, saiu e foi abordado pelo soldado ocorrendo uma discussão entre eles. O soldado chama a polícia e eles o prendem, acusando-o injustamente e o agridem com um facão. A mulher e as crianças sentindo sua falta pernoitaram na calçada e no dia seguinte viram o dono da fazenda e o padre indo em direção a prisão. O padre liberou Fabiano da prisão. O tempo passou e a família foi ficando cada vez mais pobre, pois Fabiano gastava todo o dinheiro no jogo, e sua mulher revoltou-se. A seca castigava cada vez mais os animais e por isto, Vitória quis fugir da fazenda. A família organiza a mudança e Fabiano quer matar Baleia que está doente, mas acaba a ferindo com um tiro, porém ela foge. Nisso as crianças choram muito a perda do animal. Por fim, Fabiano e a família saem em retirada e o sertão continuaria a mandar para a cidade homens fortes, brutos como Fabiano, Sinhá Vitória e os meninos.



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