[Observa챌찾o de IAL: o jornal Folha de S.Paulo, perguntou a dois analistas: "Cuba deve iniciar uma transi챌찾o política para outro regime?" Lei abaixo a resposta do Emir Sader]

Mudar, dentro do socialismo
Por Emir Sader, em Folha de S.Paulo, 05/08/2006

É O REGIME socialista que permite a Cuba ser o único país no mundo em que não há pessoas abandonadas, sem direitos, sem amparo, sem apoio. Em que não há crianças dormindo nas ruas. O único país em que toda a população possui pelo menos nove anos de escolaridade. O primeiro país no mundo que pôde se declarar "território livre do analfabetismo", que ajudou a Venezuela na mesma conquista e agora o faz com a Bolívia.

Em que toda a popula챌찾o pode gozar gratuitamente dos servi챌os da melhor saúde pública do mundo. Cuba tem mais médicos trabalhando gratuitamente em países pobres do que toda a Organiza챌찾o Mundial da Saúde, materializando um dos lemas da revolu챌찾o cubana: "A pátria é a humanidade" (José Martí).

E tudo isso apesar de ser um país sem recursos naturais valorizados no mercado internacional, submetido por séculos a uma economia primário-exportadora, centrada na monocultura do açúcar, pela divisão do trabalho imposta primeiro pelos colonizadores, depois pelos imperialistas. Essas conquistas, que tornam Cuba o país menos desigual -e, assim, o mais justo- do mundo, são possíveis pelo caráter socialista de sua sociedade. Uma orientação contraposta às economias de mercado -que produzem conforme a demanda, conforme o poder aquisitivo, via de regra desigual, dos consumidores e das empresas-, em que as necessidades da população comandam a produção.

Cuba n찾o deve mudar de regime porque é o socialismo que lhe possibilita essas conquistas que permitiram que o país enfrentasse a dura crise da desapari챌찾o da URSS e esteja agora no caminho da retomada da consolida챌찾o do seu desenvolvimento. Mas Cuba pode mudar aspectos da sua política. Se terminar o bloqueio levado a cabo há mais de 40 anos pelos EUA -a maior pot챗ncia imperial da história, que cerca de todas as formas a pequena ilha situada a apenas 140 km de seus limites territoriais. Em 47 anos, aconteceram centenas de tentativas de assassinato de Fidel Castro, um intento aberto de invas찾o, uma busca de cerco naval, ataques de inocula챌찾o de vírus em planta챌천es, inc챗ndios em canaviais e outras regi천es do país, transmiss천es ininterruptas de rádio e televis찾o de canais sediados nos EUA, v척os sistemáticos com avi천es supers척nicos para fotografar e tentar controlar os movimentos no país -foram algumas das tantas a챌천es de agress찾o contra Cuba.

O sistema político cubano foi forjado no marco desse cerco criminoso, de mais de quatro décadas, fazendo com que a revolu챌찾o cubana se desenvolvesse como uma fortaleza assediada pelas agress천es do poderoso vizinho do norte. A unifica챌찾o dos tr챗s grupos que protagonizaram a revolu챌찾o em um partido único surgiu como forma de somar for챌as, de construir um marco de alian챌as que dificultasse que os conflitos internos pudessem servir de flanco para a a챌찾o inimiga.

Quem se preocupa com solu챌천es para a crise entre os EUA e Cuba e suas conseqü챗ncias dentro da ilha deveria olhar para Washington, e n찾o para Havana. O governo cubano n찾o coloca nenhuma condi챌찾o. N찾o exige sequer a retirada da base de Guantánamo -que há mais de um século os EUA mant챗m na ilha, contra a vontade dos cubanos, agora fazendo dela um calabou챌o para presos políticos ilegais, submetidos a tratamentos selvagens- para a normaliza챌찾o das rela챌천es entre os dois países. Enquanto isso, o governo dos EUA demanda que Cuba se converta em um sistema como o estadunidense para que a normaliza챌찾o das rela챌천es seja estabelecida. Exige mudan챌as justamente naquilo que diferenciou Cuba da República Dominicana ou do Haiti, países caribenhos que, ao ceder ao império vizinho, se encontram entre os mais pobres da regi찾o, sem nenhuma das conquistas da ilha. Cuba pode e deve mudar, se terminar o bloqueio. O papel do Brasil deve ser intermediar para superar essa sobreviv챗ncia da Guerra Fria e permitir que ambos convivam de forma pacífica, cada um respeitando as decis천es soberanas do outro, sem interven챌천es nem amea챌as. E que o povo cubano, soberanamente, sem bloqueios, decida seu presente e seu futuro.